Todos os textos poéticos desta primeira época medieval eram acompanhados por música e normalmente cantados em coro, daí serem chamados de
cantigas. Isso ocasionou o aparecimento de uma verdadeira hierarquia de artistas, assim classificados:
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Trovador: era o poeta, quase sempre um nobre, que compunha sem preocupações financeiras;
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Jogral, segrel ou menestrel: era um homem de condição social inferior, que exercia sua profissão de castelo em castelo, entretendo a alta nobreza. Além de cantar poesias escritas pelos trovadores, alguns desses artistas chegavam a compor;
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Soldadeira ou jogralesa: moça que dançava cantava e tocava castanholas ou pandeiros.
Com o pasar do tempo e dependendo da região, essas denominações caíram em desuso.
"Os trovadores eram geralmente nobres. Compunham ou, pelo menos, escreviam as palavras para as canções que os jograis- homens do povo, mouros, judeus, e alguns nobres de condição inferior- cantavam depois. Era igualmente de nobres, na sua grande maioria, o público ouvinte. Reis e outros membros da família real partilhavam este dom da composição poética: tal foi o caso de Sancho I e, especialmente, de D. Dinis, a quem se acreditam umas cento e trinta e nove cações."
MARQUES, Oliveira. História de Portugal. Lisboa: Palas, 1978.
_Tipos de cantigas
Podemos reconhecer dois grandes grupos de cantigas: as
cantigas líricas e as
cantigas satíricas. As cantigas líricas se subdividem em
cantigas de amor e
cantigas de amigo; as cantigas satíricas, em
cantigas de escárnio e
cantigas de maldizer.
Nas
cantigas de amor, à maneira provençal,
o falante declara seu amor por uma dama da corte (tratada de "dona" - aquela que possui domínios, propriedades- ou "senhor", isto é, senhora, aquela que tem senhorios). Nas
cantigas de amigo, que se originaram na própria Península Ibérica como expressão do sentimento popular, temos como característica o
sentimento feminino, ou seja, a voz é feminina, apesar de a cantiga ter sido escrita por um homem.
Como se pode observar, a principal distinção entre a cantiga de amor e a de amigo está no
eu - lírico, no sujeito da enunciação: se o "dono" da voz é o homem (amor) ou se a "dona" da voz é mulher (amigo).
COMPARAÇÃO ENTRE AS CANTIGAS LÍRICAS
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Cantigas de amor> autoria: masculina
> sentimento masculino
> origem: provençal
> ambiente retratado: palaciano
> o homem presta vassalagem amorosa
>a mulher é um ser idealizado, superior
Queixa
(fragmento)
Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza
Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza
Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Senhora, serpente, princesa
**
_Cantigas de amigo> autoria: masculina
> sentimento: feminino
> origem: galego-portuguesa
> ambiente retratado: rural (popular)
> a mulher sofre pelo amigo (namorado, amante) ausente
> a mulher é um ser mais real e concreto
Atrás da porta
Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei, eu te estranhei
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teu peito, teu pijama
Nos teus pés ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua **
As
cantigas satíricas, ao contrário, abandonavam o sentimento amoroso e dirigiam seu foco para as relações sociais: os costumes, notadamente do clero e dos vilões (camponeses livres); a covardia; a decadência da nobreza, que perdia espaço para a burguesia ascendente; o adultério feminino.
A principal distinção entre as cantigas de escárnio e as de maldizer residia em sua forma de expressão: as
cantigas de escárnio eram sátiras indiretas, que exploravam palavras e construções ambíguas, expressões irônicas (em A arte de trovar, encontramos a seguinte definição: "Som aquelas que os trobadores fazem querendo dizer mal d'alguém em elas, e dizen-lho por palavras cubertas, que ajam dous entendimentos, para que lhe lo nom entenderem ligeiramente"); as
cantigs de maldizer eram sátiras diretas, com citação noiminal da pessoa ironizada e temas que abordavam o adultério e os amores interesseiros ou lícitos, como no caso dos padres (n'A Arte de trovar são definidas como "aquelas que fazem os trobadores mais descubertamente, en las entram palavras que querem dizer mal e nom averão outro entendimento senom aquel que querem dizer chaãmente").
"A poesia satírica galego-portuguesa oferece-nos um precioso testemunho sobre a Idade Média portuguesa e peninsular, na medida em que documenta os sues costumes, sem a idealização da cantiga de amor, e nos informa sobre os fatos históricos e sociais mais relevantes."
FERREIRA, Maria Ema T. Prosa e poesia medievais. Lisboa: Ulisséia, s/d.
POSTADO POR: Tainá